Publicada em 2019 pela Editora Richmond, em parceria com a Fundação Santillana, a obra Educação Bilíngue no Brasil protagoniza o debate sobre temas, rumos e práticas ligadas ao complexo campo da educação em sua interface com a pluralidade linguística e cultural em contexto brasileiro. Ao se antecipar à aprovação, em 2020, das Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta de Educação Plurilíngue, elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação/Ministério da Educação, o livro assume um papel precursor no debate sobre políticas reguladoras da Educação Bilíngue brasileira e seus efeitos sobre os fazeres educativos e a formação docente nesse campo. De maneira instigante e dialogada, a coletânea, organizada por Antonieta Megale, reúne oito capítulos escritos por educadores(as) e pesquisadores(as) atuantes no cenário da Educação Bilíngue em nosso país e fortemente comprometidos com o ensino de línguas adicionais, em uma vertente crítica e potencialmente transformadora.
Prefaciada por Ofelia García, uma expoente nas teorizações vinculadas ao bilinguismo, a obra apresenta um rico e diversificado conjunto de reflexões que situa questões teóricas e práticas ligadas, entre outros, a documentos oficiais, currículos, metodologias e avaliação, no âmago do Sul Global. Essa perspectiva desafiadora, bastante enfatizada na parte introdutória do livro, escrita por Megale, tonaliza os textos da coletânea, retratando a insurgência de uma Educação Bilíngue que confronta o discurso hegemônico e que, de maneira singularmente localizada, resiliente e resistente, engaja-se na luta por justiça social e cognitiva. Nesse horizonte, este livro representa, a um só tempo, um forte posicionamento transgressor e um potente movimento em prol da construção de interconhecimento, anunciando possibilidades para a construção de uma Educação Bilíngue plural e compromissada com a igualdade e a validação de realidades e vozes locais.
Ao discutir o conceito de bilinguismo e de sujeito bilíngue, de modo imbricado aos múltiplos contornos da Educação Bilíngue brasileiro, o capítulo inicial, escrito por Antonieta Megale, cumpre o relevante papel de situar a temática e discutir as variadas tensões que marcam o cenário educativo nesse campo, sob lentes plurais e articuladas a uma gama diversa de estudos. Apoiado na proposta de elaboração desencapsulada de currículos, o capítulo seguinte, de autoria de Fernanda Liberali, nutre a discussão sobre a urgência de uma Educação Bilíngue alinhada à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que se apresente criticamente multiletrada, transformadora e potencializadora de formas outras de ser, pensar, agir e sentir. No terceiro capítulo, Renata Condi de Souza discorre sobre as diversas possibilidades de se praticar, de modo significativo e contextualizado, a Educação Bilíngue em nosso país, levando em conta diferentes metodologias, tais como CLIL (Content and Language Integrated Learning) e CBI (Content-Based Instruction). O capítulo 4,elaborado por Marcello Marcelino focaliza o desenvolvimento linguístico de crianças bilíngues, enfatizando a necessidade de uma abordagem que possibilite um insumo rico e diversificado no que se refere às línguas e culturas presentes no processo educativo, que fomente a prática linguística significativa e que priorize a adoção de perspectivas e procedimentos consistentes e alinhados às necessidades contextuais. No capítulo 5, Megale se volta à formação de base multi/intercultural e defende uma Educação Bilíngue fortemente engajada com a equidade e a justiça social, além de promotora da cidadania ativa e crítica. Camila Dias é autora do capítulo 6 e, em seu texto, desmistifica o senso comum ao argumentar, de modo teoricamente sustentado, em favor de construtos teórico-práticos capazes de promover práticas de leitura e escrita mais evidentemente transformadoras e alinhadas às realidades escolares bi/multilíngues em nosso país. No capítulo seguinte, amparada em uma abordagem sociointeracional, Paola Guimaraens Salimen volta seu olhar para as oportunidades de participação geradas por atividades escolares geralmente propostas para a sala de aula bilíngue, discorrendo sobre alguns padrões interacionais recorrentes e discutindo possibilidades de expansão contextualizada de repertórios e práticas. O oitavo e último capítulo, assinado por Maria Teresa Aranda, discorre sobre o complexo e vasto campo da avaliação, igualmente trazendo importantes contribuições ao considerar a relação intrínseca entre aprendizagem, ensino e avaliação, ao salientar os dilemas mais proeminentes na área e ao discutir seus impactos para a Educação Bilíngue socialmente engajada, em diálogo com relevantes pesquisas na área.
Face à sua rica, diversificada, instigante e politicamente engajada tessitura temática, aliada à construção cuidadosa, colaborativa e arrojada de teorizações, posicionamentos e propostas pertinentes à Educação Bilíngue no cenário multilíngue brasileiro, esta obra se apresenta como uma leitura muito relevante para os dias atuais, além de informativa e prazerosa. Que sua potência possa ecoar e se fazer expandir, na medida em que leitores e leitoras se apropriem das vozes que emanam dos textos, permitindo a ampliação de possibilidades de insurgência de uma Educação Bilíngue plural e capaz de empoderar pessoas e transformar o mundo.