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Entendendo o texto, hoje: multiletramentos na escola

Quando penso em Multiletramentos, logo me vem à mente a palavra texto. Então, me provoco a pensar sobre o que texto é, porque quando muitos de nós – pelo menos, aqui no Ocidente – pensamos sobre isso, nos lembramos de uma página impressa, escrita da esquerda para a direita, da parte superior à inferior e lida individualmente. Entretanto, é preciso ir além nessa compreensão para que possamos entender, de fato, como aplicar esse conceito em nossas aulas de línguas (materna ou estrangeiras).

A palavra Letramento chegou no Brasil através do livro No mundo da Escrita, da professora-pesquisadora Mary Kato, em 1986. Nele, ela ressalta a importância dos usos e das práticas sociais da linguagem envolvendo a escrita. É que antes, o letramento, traduzido da língua inglesa (literacy), tinha seu foco no ato de ler e escrever. Assim, ser letrado(a) era uma condição de alguém que se apropriava dessas habilidades (ROJO; MOURA, 2019).

Entretanto, na década de 1990, percebendo como as tecnologias e a globalização começaram a impactar a maneira como as pessoas liam e produziam textos, um grupo de professores-pesquisadores de alguns países se reuniram para repensar os letramentos (não mais no singular) necessários aos leitores e seu papel na sociedade. Ler tem a ver apenas com as letras? É somente decodificar palavras e formar frases isoladas? Definitivamente, não.

Esse grupo, chamado Grupo de Nova Londres (The New London Group), trouxe à tona a necessidade de considerar alguns aspectos essenciais no ato de ler e escrever textos e de ensinar tendo-os em vista:

  1. os impactos das tecnologias e mídias, e como a partir delas surgem diferentes modos de linguagem que não podem ser ignorados – escrita, sons, imagens, gestos, entre outros (daí o termo multimodalidade); 2.a diversidade linguística e cultural; e 3. os contextos históricos, políticos e sociais em que as práticas de linguagem acontecem. Tudo isso, visando à produção de sentido (CAZDEN et al, 1996).

Parece muito a se observar, mas como ensinar sem levar esses detalhes em consideração nos dias de hoje? Com o tempo, as noções de texto foram sendo ampliadas para além do texto impresso e a multimodalidade foi sendo inserida na maneira como lemos e nos expressamos. A internet contribuiu imensamente nesse sentido, nos possibilitando novas leituras (não mais tão lineares, mas navegando entre hipertextos que se complementam), novos espaços de consumo de informação e produção de conteúdo. Dessa forma, nossas leituras e produções passam a ser menos individuais e ganham mais possibilidades de compartilhamento e publicação, nos tornando também autores nas diversas redes virtuais (SALDANHA, 2016).

Outro elemento que não pode ser esquecido é o contexto. Paulo Freire (1986), já destacava a ligação entre linguagem e realidade e como ambas se prendem de forma dinâmica. Portanto, ao ensinar línguas, é importante considerar que uma leitura crítica passa pelo contexto em que as práticas sociais ocorrem. Além disso, em tempos de posts curtos ou textões, limitação no número de caracteres, memes e fake News, ler criticamente também implica analisar as fontes e filtrar conteúdos. Propor leituras de postagens que remetam a essas questões e conscientizar os estudantes sobre a importância de ler questionando a veracidade das notícias, de pensar como os textos se aplicam a cada um em suas vivências, e também a ter em mente tudo isso ao escrever seus próprios textos pode ser um exercício do pensamento crítico contextualizado.

Concluindo esta reflexão, convido você, professor(a), a utilizar múltiplos textos e gêneros textuais em suas salas de aula, estimulando a criticidade e a criatividade, conectando o currículo aos contextos sociais de seus alunos, e criando oportunidades de colaboração entre eles. Use jornais, artigos on-line, postagens de mídias sociais, pôsteres, colagens, vídeos, aplicando tudo isso ao contexto da aula e às suas realidades, estimulando a conversa e facilitando remixagens e novas produções.

Essa pode ser uma possibilidade de tornar seus alunos cidadãos mais reflexivos e atuantes em suas próprias comunidades, que produzem sentido a partir do que leem e aprendem. Assim, o trabalho com multiletramentos se torna mais possível e real na escola.

Referências:

CAZDEN, C.; COPE, W.; FAIRCLOUTH, N.; GEE, J.; et al. A pedagogy of multiliteracies: designing social futures. In: Harvard Educational Review, 1996. p. 60-93.

FREIRE, P. A importância do ato de ler. 12 ed. São Paulo. Cortez, 1986. p.11-3. In: INFANTE, U. Do Texto ao Texto: curso prático de leitura e redação. 5ª Ed. São Paulo: Scipione, 1998.

ROJO, R.; MOURA, E. Letramentos, mídias, linguagens. São Paulo: Parábola Editorial, 2019.

SALDANHA, G. C. B. Letramento crítico e o ensino de língua estrangeira via língua-alvo em escolas públicas brasileiras: uma proposta viável? In: OLIVEIRA, S. B.; SÓL, V. S. A. Multiletramentos no ensino de inglês: experiências da escola regular contemporânea. Ouro Preto: Instituto Federal de Minas Gerais, 2016.

About author

Joyce Fettermann is an academic consultant at Troika. She holds a Ph.D. and a master’s degree in Cognition and Language from UENF. She has been involved in different research groups and has worked in language teaching for over 15 years. She's also the author of books, book chapters, and articles in this field.
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