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EditorialO que há de novo

ENTREVISTA com Daniela Marques

Troika: Poderia nos contar um pouco sobre o seu caminho na área da educação?

DANIELA MARQUES : Venho de uma família de educadores, o que fez da educação uma pauta constante na minha vida desde cedo. Quando decidi prestar vestibular há 20 anos, escolhi o curso de Letras por minha afinidade com a área. Fui aprovada na Universidade Federal de Minas Gerais e a experiência na universidade pública foi essencial na carreira que venho construindo.

Aproveitei todas as oportunidades que a universidade pública pôde oferecer, como estágio no centro de línguas, participação em projetos de iniciação científica, grupos de pesquisa, além de seguir para o mestrado e doutorado, com uma vivência internacional através do estágio-sanduíche. Minha experiência profissional incluiu a docência na educação básica e no ensino superior, até que, em 2016, optei por fazer uma transição de carreira e começar a atuar na gestão de projetos educacionais. Desde então, atuei como gestora de projetos para escolas públicas e também para o mercado de sistemas de ensino.

T: Como você vê o panorama da educação bilíngue no Brasil hoje? Como estamos posicionados no mercado global?

DM: A educação bilíngue em língua inglesa no Brasil tem apresentado um crescimento expressivo nos últimos anos, ganhando cada vez mais relevância e aceitação entre as famílias, que a percebem como uma parte essencial da formação dos filhos.

O que antes era um mercado de nicho, restrito principalmente aos grandes centros urbanos, se expandiu significativamente e temos relatórios do MEC que indicam que, em 2023, houve um aumento de 64% na procura por modelos de ensino que foquem no desenvolvimento de uma língua adicional.

Essa mudança também reflete nosso posicionamento no cenário global, com o Brasil desempenhando um papel relevante no mercado de editoras internacionais, impulsionado pela crescente demanda por materiais e programas bilíngues de alta qualidade.

T: Como você avalia o crescimento do ensino bilíngue no Brasil nos últimos anos? Qual é o impacto do ensino bilíngue no currículo base das escolas brasileiras?

DM: Nos últimos anos, a educação bilíngue em língua inglesa no Brasil expandiu-se significativamente, ultrapassando as fronteiras das capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, e alcançando diversas regiões do país, principalmente o interior. Esse crescimento acelerado evidenciou a necessidade de diretrizes claras sobre o que caracteriza uma educação bilíngue de qualidade. Em resposta a essa demanda, o Conselho Nacional de Educação (CNE) chegou a elaborar um Parecer que propunha Diretrizes Curriculares Nacionais para a oferta de Educação Plurilíngue.

Contudo, esse parecer não foi homologado pelo MEC, deixando um vácuo normativo em âmbito nacional. Por conta dessa lacuna, alguns estados brasileiros desenvolveram legislações próprias para regulamentar a educação bilíngue em seus territórios. Entretanto, na ausência de uma diretriz nacional unificada, as escolas mantêm autonomia para estruturar seus currículos bilíngues, resultando em abordagens diversas e, por vezes, desiguais na implementação desse modelo educacional.

T: As dimensões e desigualdades do Brasil são bastante grandes. Como você vê o alcance atual do ensino bilíngue dentro deste contexto?

DM: O Brasil é um país de realidades muito peculiares, e o Ideb reflete essas desigualdades de forma clara. Por isso, ao liderar o desenvolvimento de novas soluções didáticas, sempre considero essas restrições, seja no contexto da educação bilíngue ou de componentes curriculares como Ciências e Geografia. Acredito que não podemos limitar a educação bilíngue aos contextos de privilégio, onde há professores mais bem formados ou escolas com melhor infraestrutura.

É fundamental organizar a oferta da educação bilíngue de forma acessível, para que todos os interessados possam ter acesso a ela e atuar da melhor maneira possível, mesmo enfrentando restrições. Já visitei escolas que não têm fácil acesso à Internet para ter uma aula com práticas multimodais, com uso de áudios e vídeos. Mas, isso não deveria ser um impeditivo para que a escola oferte a modalidade bilíngue. Essa visão inclusiva é essencial para ampliar o impacto positivo da educação bilíngue em todas as regiões do país.

T: Quais são as tendências atuais no ensino bilíngue?

DM: O ensino bilíngue em língua inglesa tem evoluído com práticas pedagógicas inovadoras, como a translinguagem, que aproveita o repertório linguístico completo dos alunos, e estratégias que integram competências linguísticas, culturais e cognitivas. Essas abordagens vão além das habilidades tradicionais de speaking, listening, reading e writing, promovendo não apenas a proficiência em dois idiomas, mas também o desenvolvimento do pensamento crítico.

Além disso, o avanço exponencial dos agentes de inteligência artificial tem ampliado as oportunidades para o aprendizado do inglês, oferecendo ferramentas personalizadas que promovem a prática linguística em contextos autênticos, ajudando na imersão cultural e na dinâmica do processo de ensino-aprendizagem. Essa integração tecnológica potencializa o desenvolvimento de competências interculturais, reafirmando o papel da educação bilíngue como um movimento pedagógico que vai além da aprendizagem de um idioma.

T: Quais são os desafios da educação bilíngue no Brasil atualmente?

DM: Esses desafios estão relacionados principalmente à falta de padronização e clareza nas diretrizes curriculares, como evidenciado pela ausência de regulamentações claras em âmbito nacional. Além disso, há a carência de professores qualificados, desigualdades regionais e infraestrutura insuficiente em muitas escolas.

A realidade heterogênea do país dificulta a implementação de políticas educacionais que atendam igualmente às demandas de todos os contextos. Há ainda uma desconexão entre políticas nacionais e práticas locais, prejudicando a equidade na oferta da educação bilíngue.

T: Quais desafios as escolas enfrentam na implementação de programas de ensino bilíngue?

DM: A implementação de programas de ensino bilíngue enfrenta desafios complexos, que vão além da contratação de professores qualificados e da oferta de infraestrutura adequada. A principal dificuldade está na adaptação do planejamento pedagógico às realidades específicas de cada escola, uma vez que, os programas “tamanho único” frequentemente ignoram as necessidades locais e dificultam o alinhamento da proposta pedagógica ao perfil da instituição escolar.

Mesmo ao adotar materiais didáticos estruturados, é essencial que as escolas compreendam as potencialidades e limitações de seu contexto, ajustando a proposta bilíngue para garantir escolhas pedagógicas que respeitem a singularidade de sua comunidade escolar​.

T: Como podemos engajar os pais / responsáveis no processo de educação bilíngue?

DM: Para engajar os pais no processo de educação bilíngue, é importante reconhecer que muitos carregam um estigma de fracasso relacionado à aprendizagem de uma língua adicional, reflexo de experiências anteriores.

Ser transparente sobre o aspecto gradual desse aprendizado, com resultados construídos ao longo do tempo, ajuda a reduzir a ansiedade e ampliar a compreensão sobre o processo. Além de desenvolver competências linguísticas, as crianças também estão fortalecendo habilidades críticas, culturais e cognitivas, fundamentais para uma formação integral e adaptada às demandas do mundo atual.

T: Temos uma falta de profissionais preparados e qualificados para atuarem no ensino bilíngue. Como os professores estão sendo preparados pelas escolas e sistemas de ensino para lidar com as demandas do ensino bilíngue?

DM: O apagão de professores é uma preocupação não apenas em nível local, mas também global. Essa escassez também se manifesta na educação bilíngue, especialmente em um país com realidades tão diversas como o Brasil. Escolas de todo o país têm buscado capacitar seus professores por meio de formações continuadas, promovendo parcerias com empresas parceiras especializadas em bilinguismo.

Algumas instituições também investem em abordagens colaborativas, nas quais professores aprendem uns com os outros, além da implementação de metodologias de ensino inovadoras. Contudo, é fundamental expandir essas iniciativas para contextos menos privilegiados, garantindo que a educação bilíngue seja inclusiva e capaz de atender às demandas das diferentes realidades regionais.

T: Que conselhos você daria para professores de inglês que querem trabalhar com ensino bilíngue?

DM: Primeiramente, é essencial buscar uma proficiência linguística adequada. Muitos professores bilíngues ainda precisam investir tempo em sua formação para alcançar
o nível necessário. Hoje, felizmente, há uma infinidade de bons recursos acessíveis online que podem ajudar nesse desenvolvimento.

E mais, recomendo participar de redes colaborativas com outros educadores do Brasil e do mundo. Essas comunidades promovem trocas de experiências, aprendizado coletivo e a possibilidade de testar e compartilhar novas práticas pedagógicas, enriquecendo tanto o trabalho individual quanto o impacto coletivo no ensino bilíngue.

T: Como a sociedade percebe o ensino bilíngue atualmente? Existem reações positivas ou negativas frequentes?

DM: A sociedade, de modo geral, enxerga o ensino bilíngue, principalmente em língua inglesa, de forma muito positiva, como demonstra o crescente interesse por essa modalidade de educação.

Quando converso com gestores escolares e famílias, a importância da educação bilíngue raramente é questionada, pois há um consenso sobre sua relevância para o futuro dos estudantes, seja acadêmico ou profissional. No entanto, é essencial alinhar expectativas e comunicar objetivos claros, desde o início, entendendo que o aprendizado bilíngue é um processo que requer tempo, dedicação e esforço para que os resultados sejam significativos.

T: Como você vê o futuro da educação bilíngue no Brasil? Há algum objetivo a ser atingido ou iniciativas que você gostaria de implementar?

DM: O futuro da educação bilíngue no Brasil é muito promissor, refletindo a crescente valorização do bilinguismo como parte da formação integral dos estudantes. Tive a oportunidade de liderar a criação de uma solução didática bilíngue desenhada especialmente para a realidade da educação básica brasileira, que foi muito bem recebida pelo mercado. Nossa proposta integrou estratégias didáticas e editoriais inovadoras, legitimando o papel do professor bilíngue brasileiro e incorporando o uso do inglês no cotidiano dos estudantes, de forma que essa língua fosse mais do que uma habilidade para o futuro, mas uma ferramenta prática de aprendizado em disciplinas como Ciências, História ou até mesmo games.

O próximo passo que vejo para essa modalidade de ensino é sua ampla difusão, garantindo acesso também em escolas públicas. Já existem exemplos de sucesso em redes municipais de regiões de imigrantes, onde outras línguas adicionais são incluídas no currículo da educação básica. Porém, ainda há um longo caminho para alcançarmos nosso potencial, como, por exemplo, em estados fronteiriços que poderiam integrar a educação bilíngue em espanhol. Para que essa transformação ocorra em escala nacional, precisamos partir do diálogo por meio de políticas públicas. A educação bilíngue deve ser entendida como uma iniciativa que vai além da técnica, transformando-se em um movimento pedagógico e cultural que promove a diversidade e fortalece a escola como um espaço para construir uma sociedade mais inclusiva e consciente.

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