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O que é preparar alunas e alunos para as provas da vida?

O termo avaliação é um guarda-chuva que abrange os três tipos de avaliação importantes para a educação: avaliação de sala de aula, avaliação em larga escala – ou de alto impacto – e avaliação institucional. Esses três tipos de avaliação são importantes para a gestão das aprendizagens e precisam estar bem articulados. Tanto a avaliação de sala de aula quanto a em larga escala, esta última chamada por Popham (2009) de accountability assessment (avaliação de responsabilização), informam a avaliação institucional, que compreende também outros fatores tais como qualificação e performance do corpo docente, estrutura oferecida ao corpo discente, entre outros.

Ocorre que, durante muito tempo, a avaliação de sala de aula esteve à mercê da avaliação em larga escala. Os conceitos de validade e confiabilidade aplicados à avaliação em larga escala eram também observados na construção dos sistemas e instrumentos de avaliação de sala de aula. Na verdade, em muitos contextos, essa confusão ainda prevalece. Aplicamos provas com dias marcados, cadeiras enfileiradas para os alunos não colarem, com tempo marcado e usando tipos de questões típicas de avaliações em larga escala, isto é, questões de seleção de respostas em vez de construção. Aquele momento definido pela escola é a única chance de o aluno demonstrar suas aprendizagens. A única outra chance é a tal da recuperação. É a lógica da “única resposta” e “única chance”. Defensores desse paradigma argumentam que precisamos preparar alunos para as “provas da vida” e que “a vida não nos dá segundas chances.”

Esse argumento não fica de pé quando pensamos nas avaliações de alto impacto às quais temos que nos submeter na vida. Não passou no vestibular de medicina? Faça outro, outro, e outro até passar. Não passou na prova da OAB, pode tentar quantas vezes quiser. Não tirou a pontuação no TOEFL que a universidade exige, estude mais um pouco e faça a prova de novo. Não passou no exame de direção? Pratique um pouco mais e refaça. Além disso, as reais provas da vida não consistem nesse tipo de avaliação. Hoje as reais provas da vida exigem criatividade, pensamento divergente e crítico, capacidade de comunicação e colaboração, autogestão, isto é, competências não cognitivas, também chamadas de competências globais, do Século XXI, socioemocionais ou soft skills. E mais ainda: não há uma única resposta!

Não se está defendendo aqui a exclusão dos exames de larga escala e de alto impacto. O que se defende é que as avaliações de sala de aula não se espelhem nesse tipo de avaliação. A validade e a confiabilidade de avaliações de sala de aula precisam ser entendidas dentro de um outro paradigma (Marzano, 2018), até porque a tentativa de trazer o paradigma tradicional para a sala de aula não tem dado resultado.  Segundo Brookhart e Guskey (2019) as práticas de avaliação das aprendizagens e atribuição de notas entre professores da mesma escola, e até entre duas turmas do mesmo professor, são idiossincráticas.

Manzano (2018) argumenta que, embora alguns educadores defendam que o que importa para a avaliação de sala de aula seja a validade e que a confiabilidade deva ser “jogada fora”, os dois conceitos são importantes para a avaliação de sala de aula, mas precisam ser redefinidos. A confiabilidade no contexto de larga escala é baseada em fórmulas que examinam a diferença no padrão de notas entre alunos no mesmo instrumento avaliativo. Para isso, precisamos de muitos alunos e muitas questões. Ele sugere que a confiabilidade para o contexto de sala de aula seja examinada considerando um conjunto de avaliações sobre o mesmo tema realizado por alunos individuais.

A avaliação de sala de aula precisa ser autêntica, contínua e formativa. Ela precisa estar alinhada com as demandas de aprendizagens do mundo contemporâneo, no qual a criatividade (e, portanto, a tentativa e erro) e o pensamento crítico são preponderantes. Isso é a real validade que devemos almejar com esse tipo de avaliação. Para isso, faz muito mais sentido avaliar alunos por meio de artefatos autênticos, isto é, sua performance autêntica, do que com provas que só conseguem mobilizar pensamentos de ordem inferior. Além disso, os alunos precisam receber um feedback efetivo sobre o seu desempenho. Feedback é simplesmente a informação que se dá sobre os objetivos a serem alcançados e em que pé a performance dos alunos está em relação aos objetivos. Alcançou? Está chegando perto? Ainda está em desenvolvimento? E mais importante: o feedback efetivo precisa indicar o que o aluno precisa fazer para atingir os objetivos.

É aqui que entram as rubricas de avaliação. Quando bem desenvolvidas, elas prestam a informação necessária para um feedback efetivo: onde estou, onde preciso chegar e o que preciso fazer para chegar lá. Portanto, para que sejam efetivas, elas precisam apresentar uma linguagem que os alunos consigam entender claramente. Para isso, precisam ser adaptadas para cada faixa etária e, no caso de ensino de línguas adicionais, níveis de proficiência. As rubricas são preponderantemente para os alunos e não para os professores.

No tocante ao ensino de inglês como língua adicional, as rubricas que os alunos recebem pós exame já evoluíram muito ao longo dos anos e hoje oferecem um feedback bastante detalhado. Mas elas são rubricas de proficiência e não de aprendizagem de conteúdos específicos. Nesse sentido, embora elas sirvam como modelos de construção de rubricas, elas precisam ser adaptadas para a avaliação de sala de aula. Também embora essas avaliações também tenham evoluído bastante com relação a incluir questões abertas, com mais de uma possibilidade de resposta, e que mobilizam pensamentos de ordem superior, elas ainda são limitadas pela necessidade da confiabilidade.

A educação não pode ser reduzida a aulas e avaliações preparatórias para exames de larga escala. Sim, esses exames são importantes no mundo atual e não deixarão de ser tão cedo. É necessário que reservemos espaço no currículo para preparar nossos alunos para esses exames no que diz respeito a familiaridade com os tipos de questões e administração do tempo e das emoções. No entanto, esses momentos e instrumentos preparatórios não podem “contar na nota”, isto é, não podem ser usados para a demonstração das aprendizagens em sala de aula. Para isso precisamos de artefatos autênticos, muitos momentos de feedback, mais atores no processo avaliativo (o próprio aluno e os colegas) e muita tentativa e erro, isto é, muitas oportunidades de refacção.  Isso é, de fato, preparar nossos alunos para “as provas” da vida!

Referências:
Guskey, T. e Brookhart, S. (2019). What We Know About Grading – What works, What Doesn’t,  and What’s Next. Alexandria, VA: ASCD.

Marzano, R. (2018). Making Classroom Assessments Reliable and Valid. Bloomington, VI: Solution Tree Press.

Popham, J. (2009). Assessment Literacy for Teachers: Faddish or Fundamental? Theory Into Practice, 48:4–11.

About author

Isabela Villas Boas, é uma das sócias da Troika. Tem Mestrado em Ensino de Inglês como Segunda Língua pela Universidade do Estado do Arizona e um Doutorado em Educação pela Universidade de Brasília. Antes disso, foi Gestora Acadêmica na Casa Thomas Jefferson, Brasília. Os seus principais interesses acadêmicos são a escrita de segunda língua, desenvolvimento de professores, liderança, e avaliação. O seu último livro é Getting into ELT Assessment, com Vinicius Nobre. Isabela também é orientadora de dissertações de mestrado à distância para a Universidade de Birmingham.
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