Veja agora mesmo a nova edição #82 da Revista New Routes na íntegra!

AcervoBlog

Multilinguismo e Bilinguismo

Como é que muitas pessoas no mundo inteiro conseguem dominar seis, sete, oito ou mais línguas? Numa visita à África do Sul, perguntei para o meu motorista de táxi quantas línguas ele falava: “Mais ou menos nove,” me respondeu.

Certeza que desde cedo ele tinha muito contato com as línguas de outras tribos. Provavelmente a tribo de sua mãe falava outra língua, e aprendeu as línguas das tribos vizinhas. Na escola aprendeu inglês, e na Cidade do Cabo todos falam Afrikaans. Ali não é considerado a língua do branco como é em outras partes da África do Sul.

A situação é semelhante na Índia. Em todo o norte da Índia todos falam sua língua nativa e o hindi, mas toda a classe média profissional também fala inglês, a língua das profissões. E no mundo inteiro há talvez uma maioria de países onde o bilinguismo é a norma: na Europa: a Bélgica a Catalunha, o País Vasco e a Galícia na Espanha; em muitas partes de Itália, como em Napoli e na Sicília onde todos falam o dialeto local além de italiano; em muitos países da antiga União Soviética como na Armênia, na Geórgia, no Azerbaijão, no Uzbequistão onde o russo ainda existe como língua professional ao lado da língua local; e em países como na Islândia, na Holanda e nos países da Escandinávia onde a maioria da população é fluente em inglês além da língua vernácula.

Na grande maioria do continente de África a situação é semelhante à da África do Sul, onde as línguas vernáculas existem ao lado da língua de ensino e do governo: o inglês, o francês, ou o português.

O arquipélago da Indonésia demostra uma mistura fascinante de línguas. Ainda não estive na Indonésia, mas em janeiro de 2011 estive em Timor Leste, no extremo leste do arquipélago e antiga colônia portuguesa, que, após a saída do Portugal, em 1975, foi invadido por Indonésia, com o apoio dos Estados Unidos e da Austrália. A Indonésia saiu de lá em e 1999, e agora o Timor Leste é um dos países mais novos do mundo, atualmente sobe a jurisdição das Nações Unidas. A situação linguística é bastante complicada. As línguas oficiais são o português, proibido quando a Indonésia ocupava o país, que então se tornou a língua da resistência, mas pouquíssimas pessoas o falam bem. Os taxistas falam “Bom dia”, e sabem contar, mas pouco mais. E é uma língua muito difícil com as suas declinações e sufixos, tão diferente ao tetum, a língua franca local, que todos falam, mas não há tradição escrita em tetum, e há pouquíssimos livros escritos. Então a linguagem formal escrita em tetum empresta uma quantia enorme de vocábulos do português, como no seguinte exemplo do jornal, The Dili Weekly, desta semana: “Tuir Ministru Babo, inagura edifisiu foun MP ne’e hanesan progresu ida iha Prokuradoria nia laran. “Ne’e diak teb-tebes, ne’e hanesan pilar importante ida husi direitu asesu ba justisa, atu hafasil liu tan komunidade sira hodi bele rezolve sira nia problema tuir dalan justisa no lei, tanba ita hatene katak krime iha Distritu Ermera ne’e as liu iha Timor,” hateten Ministru Babo, iha Ermera.

Converso como alguns estudantes de Economia, aguardando para fazer sua matrícula na Universidade do Timor Leste. Falam tetum entre si, mas cada um também fala tem a sua própria língua na sua aldeia. A maioria das aulas são em bahasa indonésio, porque seus professores aprenderam em indonésio, quando o Timor era parte da Indonésia, e seria mais fácil para eles dar aula em indonésio, apesar desta língua ser uma língua não querida oficialmente. Visito uma das poucas livrarias, e todos os livros, até uma biografia de Pelé, são em indonésio. Mas na universidade também há aulas em inglês, de professores australianos, ou de timorenses que estudaram em países de língua inglesa. E claro, também há algumas aulas em português, geralmente de professores de Portugal. Será que os alunos entendem todas as aulas? Duvido muito…

Na América Latina o Paraguai é um país quase totalmente bilíngue. O castelhano é a língua de trabalho e ensino, mas o guarani é a língua da casa e do bar para toda a população. E o Brasil hoje poderia ser semelhante, se, em 1759, o Marquês de Pombal não tivesse expulso os jesuítas, que tentavam aculturar os indígenas à religião católica por meio de um tipo de inculturação, utilizando a língua geral, o nheengatu, uma forma de tupi para atrair os silvestres ao catolicismo. De fato até o decreto de Pombal exigindo que todo o ensino no Brasil fosse em português, a maioria dos habitante do Brasil eram bilíngues.

No fim do século XIX e no século XX a grande imigração de Europa resultou em bolsões de comunidades rurais onde se falava japonês, alemão, polonês, ucraniano, e italiano. Mas na Segunda Guerra, quando Getúlio Vargas decidiu apoiar os aliados, as escolas japonesas, alemãs e italianas foram obrigadas a ensinar em português. E muitos descendentes de imigrantes foram para a cidade e perderam sua língua mãe. E a orgulhosa comunidade japonesa ficou tão abalada por sua derrota que a geração pós-guerra abraçou Brasil e esqueceu o japonês, não sabendo que na década de 1960 o Japão ia se levantar das cinzas da guerra.

Imaginam se a história do Brasil tivesse sido diferente… um país bilíngue, ou multilíngue, semelhante ao Paraguai, mas falando o português e o nheengatu como as duas línguas oficiais, e com grandes áreas no sul do país com o alemão como a língua oficial, e outras áreas de japonês, italiano, polonês, etc. Nossas aulas, cursos universitários, reuniões de emprego ainda seriam em português, mas iríamos tomar café e cerveja em nheengatu…



John Milton é professor de Literatura Inglesa e Estudos da Tradução na USP. Ele acaba de lançar Viagem à Turquia, Balcãs e Egito, pela Editora Hedra.
Related posts
BlogInglês

Output-oriented activities: possible benefits and classroom applications

BlogWebinar

Exam Prep Courses: Desafios e possibilidades do contexto brasileiro

Blog

Rethinking the classics: Readers with a contemporary twist

BlogInglêsWebinar

New competencies to teach Young Learners

Assine nossa Newsletter e
fique informado

    E-mail

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    Espere um pouquinho!
    Queremos mantê-lo informado sobre as principais novidades do mercado acadêmico, editorial e de idiomas!
    Suas informações nunca serão compartilhadas com terceiros.