Philip Pullman, famoso escritor britânico, escreveu “Depois de alimento, abrigo e companhia, as histórias são a coisa que mais precisamos no mundo”.
Em todas as culturas histórias são contadas para nos fazer lembrar de acontecimentos do passado e eternizar valores e crenças daquele povo. É uma forma poderosa de compartilhar conhecimento. A minha definição poética é que as histórias existem para podermos lembrar de quem fomos, de quem somos e quem queremos ser.
James McSill, um dos autores sobre storytelling mais importantes da atualidade, define storytelling como sendo a “narrativa com um propósito” (CASTRO, A. 2013, p.3), ou seja, é a ação de contar fatos com emoção. O que ele quer dizer é que existem várias maneiras de contar uma história e, sem dúvidas, várias técnicas para que essa contação seja aperfeiçoada e atinja seus objetivos, mas inegavelmente contar uma história sem emoção não gera conexão, identificação e empatia necessárias para impactar um ouvinte.
Sabemos então que o storyteller precisa de um propósito para a sua história e, mais que isso, a forma de contá-la tem que ser com emoção. Eu acrescento a isso o importante papel do(a) ouvinte. Histórias podem ser contadas de diversas formas e com vários objetivos, mas quando falamos em contar histórias, em especial para as crianças, existe um propósito principal: fazer emocionar. Ou seja, no meu ponto de vista, não basta só narrar a história com entonação, cantar uma música ou fazer uma voz diferente em certos momentos, mas a chave do sucesso está em conseguir causar uma reação emocional no(a) ouvinte.
Sempre digo aos educadores que participam do meu curso que Storytelling vai além da forma como acontece a narrativa e o uso das técnicas (deixarei para falar sobre as técnicas de storytelling em um próximo artigo), mas é uma ferramenta poderosa de ensino e de motivação. E irei explicar por quê.
RAZÃO VS. EMOÇÃO: OS DOIS LADOS DO CÉREBRO
Maya Angelou, escritora, poetisa e ativista norte-americana uma vez disse “as pessoas vão esquecer o que você disse e o que você fez, mas nunca esquecerão como você as fez sentir”.
Trazendo este pensamento para nosso contexto, significa que por maior que seja o esforço racional para influenciar, motivar, ensinar ou apenas inspirar alguém com a sua história, só terá resultado de fato se você conseguir se comunicar com a dimensão emocional da pessoa que a está escutando. O motivo pelo qual isso acontece é porque as histórias se comunicam conosco em um nível muito mais emocional do que apenas racional.
O ser humano lembra muito melhor de histórias do que de fatos isolados em uma lista. Quando a história nos envolve, nos sentimos parte dela, nos identificamos com o(s) personagem(s) principal e com os seus percalços, torcemos pelo seu sucesso e receamos sua derrota. É dessa forma que conseguimos lembrar da experiência vivida (o momento da história) e de fato aprender com ela, pois somos conectados a esses fatos emocionalmente.
Para entender melhor como isso se dá, precisamos entender como o cérebro humano funciona:
Temos dois lados do cérebro, o hemisfério direito e o hemisfério esquerdo, os quais são responsáveis pelo controle e processamento de funções opostas. O lado esquerdo controla a área dos números, dos pensamentos lógicos e analíticos, é a parte responsável pela linguagem e a memória. Responsável por processar todas as informações, estruturar os dados de maneira racional e aplicá-los à situação real. Já o lado direito é o nosso lado emocional e intuitivo, está ligado à criatividade e a música. É o que nos ajuda a compreender imagens e enxergar sentido no que vemos.
Claro que os dois lados do cérebro são igualmente relevantes e trabalham de forma interdependente. Mas o lado direito é o que processa todas as informações simultaneamente e nos oferece a capacidade de ter uma visão global das situações. Somos seres inteiros e esses dois polos se complementam, mas é importante frisar que nossa estrutura biológica precisa do lúdico para incitar a reflexão e a busca por significado. Este é um dos motivos pelos quais é tão importante estimular o contato com a arte e cultura, como a música, desenho, pintura, teatro, dança e, claro, ouvir e contar histórias.
PONTO DE VISTA PSICOLÓGICO
Psicólogos adeptos da psicanálise e áreas correlatas dizem que a emoção é o combustível que move a ação. Ou seja, primeiro o indivíduo sente e depois ele emite um comportamento a partir do que sentiu. Isso é muito importante pois se estamos falando que storytelling é uma ferramenta de ensino, isto nos leva a refletir sobre quais histórias contamos e quais queremos contar.
Segundo Sigmund Freud, pai da psicanálise, “nossa mente inconsciente não faz distinção entre fantasia e realidade, entre desejo e ação” (KAHN, M. 2003, p.43)
Através das histórias os adultos apresentam às crianças questões morais e seus conflitos e é no momento de storytelling que elas podem aprender a avaliar consequências e dialogar com o(a) storyteller sobre o conteúdo compartilhado. É por meio da imagem da ação exemplificada na história que se abre o caminho para ensinar valores e princípios éticos. Assim, ao invés de falar uma lista de ações do que é correto ou não fazer, um(a) bom(a) storyteller tem a habilidade de envolver seu(a) ouvinte e explicar prática e ludicamente o exemplo do comportamento/ atitude/ sentimento que quer discutir ou ensinar.
Para Freud a inibição dos desejos “maus” (por exemplo a vontade de fazer mal a alguém ou levar vantagem em cima do outro de forma desonesta) é o que mantém a civilização menos destrutiva e perigosa.
“Um dos mais poderosos inibidores do comportamento de busca de prazer é o medo de ser punido pela própria consciência: medo da culpa. Não há nada que me impeça de ferir uma pessoa impotente, a não ser minha sensopercepção da severa dor que minha consciência me infligiria” (KAHN, M. 2003, p. 44)
Pensando por este ângulo, o poder de contar histórias é ainda maior. O Storytelling permite ao ouvinte fazer conexões entre o mundo fictício e o mundo real. E é no momento de conversa que é possível refletir e avaliar ações dos personagens da história, linkando com as situações da vida real do(a) ouvinte e do(a) storyteller.
Se por um lado o conteúdo da história e do diálogo pós-história tem tanta importância, o(a) storyteller tem um papel ainda mais relevante, pois o ser humano só aprende com quem confia. Dessa forma, a afetividade no processo de ensino-aprendizagem é fundamental, pois o bom uso das técnicas na linguagem narrativa aliadas ao vínculo emocional estabelecido entre contador(a)-ouvinte permite criação de significado.
Uma boa história bem contada pode mudar vidas, pois o que nos emociona nos transforma. Transforma pensamentos, transforma atitudes. E este é um grande desafio como educadores, mas ao mesmo tempo é um privilégio poder fazer crianças sonharem com a magia da contação de histórias, enquanto aprendem um pouco mais sobre o que sabemos da vida.
A autora
Danielle Andrade – Psicóloga, Especialista em Negócios do Entretenimento, Diretora da Cia Paulista de Teatro Bilíngue e Rhode TM. Produção Cultural e Edutertainment
Contato: danielle@rhodetm.com.br | www.rhodetm.com.br
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BIBLIOGRAFIA
KAHN, Michael. Freud Básico: Pensamentos Psicanalíticos para o Século XXI. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
CASTRO, Alfredo Pires de. Storytelling para resultados: como usar estórias no ambiente empresarial. Alfredo Pires de Castro, James McSill. – 1. Ed. Rio de Janeiro: Qualitymark Editora, 2013.
MCSILL, James. Cinco Lições de Storytelling: fatos, ficção e fantasia. 2. Ed. São Paulo: DVS Editora, 2015.